O principal item de consumo da família, quase um complemento da casa, é o fogão a gás.
Se você toma conhecimento de que uma pessoa de baixa renda vai casar é porque, com certeza, ela conseguiu comprar o fogão. Aí começa a se delinear o problema do custo do gás.
O encarte dos descartados permitiria, naturalmente, que eles auferissem remuneração suficiente para o custo da alimentação, que inclui o preparo e o cozimento, portanto, a utilização do gás, mas a situação econômica ainda não chegou a essa fase. Os efeitos da pandemia ainda pairam como uma sombra sobre a atividade econômica e as perspectivas ainda não são claras. O preço do gás de cozinha (o também chamado GLP – gás liquefeito de petróleo) tende a aumentar.
Claro que se trata de um dos grandes bens de que dispõe a sociedade e que, muitas vezes, pode passar sem ser notado (a não ser quando ocorre algum vazamento…).
Se parássemos para pensar em quantas dificuldades havia para a atividade tão trivial de cozimento dos alimentos, antes do GLP, poderíamos atribuir-lhe o seu verdadeiro valor.
Pois bem, um dentre os itens a ser examinado de forma duradoura pela reforma tributária será o da incidência sobre os bens de consumo dos grupos vulneráveis. Em contrapartida, deverá ser revista a incidência sobre os mais aquinhoados. Enquanto esse momento não chega, é de ser mantido o programa do auxílio gás, destinado às famílias de baixa renda.
Muitas famílias pobres, cerca de cinco e meio milhões delas, estarão aptas a receber o auxílio gás, que acaba de ser reajustado. Para tanto, é necessário que estejam inscritas no CADÚNICO, que bem deveria ser o veículo de todas as iniciativas sociais das várias esferas de Governo.
Fazem jus ao auxílio gás as famílias com renda per capita de meio salário-mínimo. A cada dois meses o beneficiário recebe a quantia correspondente, que equivale ao valor médio de um botijão de gás, na conta digital que tiver cadastrado.
Dezesseis anos passados desde a morte de Dom Luciano Mendes de Almeida, e já em andamento a fase romana da Beatificação desse bispo, vale recordar algo que ele contou inúmeras vezes: ao encontrar-se nas ruas da cidade com os descartados, estes não pediam alimentos, passagens ou remédios, pediam que lhes comprasse um botijão de gás.
Porque não se incluir o GLP na cesta básica, proposta que, de quando em vez, é formulada por aí?
Deixei para o final deste breve escrito a razão justificadora do título que lhe dei: o gás para os descartados. É que boa parte dos programas sociais existentes segue o mesmo padrão que esse. São louváveis, claro, mas não cuidam do projeto maior da inclusão social. Atendem pontuais demandas dos descartados como que tentando mantê-los à tona na maré montante das inumeráveis tragédias que os atingem quase cotidianamente.
E a política social que encarte os descartados? E o compromisso estampado na Constituição do Brasil com a erradicação da pobreza e da marginalização? E os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, com sua abrangente pauta de inclusão? 2030, a data assinalada para o cumprimento de tal magno programa é depois de amanhã!
Wagner Balera
Coordenador do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Faculdade de Direito da PUC-SP